Na década de 1990, quando trabalhava no Brasil, o norte-americano Steve Luttmann adorava beber caipirinha no Leblon. Já naquela época, não entendia a razão de muitos brasileiros preferirem o drinque com outra bebida que não a cachaça. Apaixonado pelo destilado de cana produzido no Brasil, em 2005, Steve resolveu montar o próprio alambique. Em homenagem ao bairro onde costumava bebericar sempre que podia, batizou a marca com o nome Leblon.
O americano comprou plantações de cana, montou uma moderna destilaria, e, para conduzir o processo de destilação, contratou o francês Gilles Merlet. Acostumado a produzir conhaques, Gilles exigiu total liberdade de ação. Exigência concedida, o francês trouxe velhas barricas de carvalho de mais de 30 anos usadas na produção do conhaque para descansar a cachaça recém destilada. Segundo ele, esta madeira agrega riqueza aromática e maciez sem mascarar o suave cheiro e gosto de cana.
A intenção era criar uma cachaça superpremium, de qualidade superior, que pudesse elevar o destilado brasileiro a outro patamar, principalmente no mercado exterior. De fato, 95% da produção da Leblon são comercializadas fora do Brasil. E, disposto a abrir ainda mais as portas do mundo para a bebida, Steve comprou diversas brigas. Nos Estados Unidos, a cachaça entra com o nome de brazilian rum. Com abaixo-assinados, estudos e muita insistência, Steve está conseguindo com que os norte-americanos revejam este posicionamento.
Mas a próxima briga será travada no mercado brasileiro mesmo. A Leblon está iniciando uma campanha chamada “salve a caipirinha”. A intenção é fazer com que o nome caipirinha seja usado apenas para bebidas feitas a base de cachaça. Afinal de contas, não tem cabimento que o drinque, brasileiríssimo por excelência, e eleito um dos dez mais importantes coquetéis do mundo por uma influente revista inglesa, seja, em território brasileiro, preparado com outros destilados que não a cachaça.
A campanha toca em um ponto importante da personalidade nacional: o preconceito que os próprios brasileiros ainda têm pela cachaça. É claro que a situação melhorou de alguns anos para cá. Mas, ainda hoje, mesmo muita gente informada trata a bebida com desdém. E termos como “cachaceiro” e “pinguço” são usados para definir pessoas viciadas em álcool. Claro que não é por acaso. E a grande vilã dessa história é a cachaça ruim.
Mas não adianta apenas separar a cachaça feita artesanalmente daquela produzida industrialmente. Não é apenas pelo fato de o produtor ser pequeno e o alambique caseiro que a cachaça será boa. É fato que as marcas industriais apresentam, na imensa maioria das vezes, uma qualidade sofrível. Mas muitas cachaças artesanais são igualmente ruins. É preciso que o setor se organize e os bons produtores possam aprovar medidas de controle de qualidade a fim de separar o joio do trigo. E, assim, poderem levar uma informação melhor do que é comprovadamente bem feito ao consumidor. Esta é, provavelmente, a única forma de a cachaça ser vista com outros olhos não apenas por uma minoria informada, mas pela grande maioria do povo brasileiro. Aí sim evitaremos que a nossa caipirinha, um dos mais conhecidos drinques do mundo, seja preparada com outra bebida que não uma nacionalíssima cachaça fina de alambique.