sábado, 13 de março de 2010

Em defesa da caipirinha

por Alexandre Lalas

Na década de 1990, quando trabalhava no Brasil, o norte-americano Steve Luttmann adorava beber caipirinha no Leblon. Já naquela época, não entendia a razão de muitos brasileiros preferirem o drinque com outra bebida que não a cachaça. Apaixonado pelo destilado de cana produzido no Brasil, em 2005, Steve resolveu montar o próprio alambique. Em homenagem ao bairro onde costumava bebericar sempre que podia, batizou a marca com o nome Leblon.

O americano comprou plantações de cana, montou uma moderna destilaria, e, para conduzir o processo de destilação, contratou o francês Gilles Merlet. Acostumado a produzir conhaques, Gilles exigiu total liberdade de ação. Exigência concedida, o francês trouxe velhas barricas de carvalho de mais de 30 anos usadas na produção do conhaque para descansar a cachaça recém destilada. Segundo ele, esta madeira agrega riqueza aromática e maciez sem mascarar o suave cheiro e gosto de cana.

A intenção era criar uma cachaça superpremium, de qualidade superior, que pudesse elevar o destilado brasileiro a outro patamar, principalmente no mercado exterior. De fato, 95% da produção da Leblon são comercializadas fora do Brasil. E, disposto a abrir ainda mais as portas do mundo para a bebida, Steve comprou diversas brigas. Nos Estados Unidos, a cachaça entra com o nome de brazilian rum. Com abaixo-assinados, estudos e muita insistência, Steve está conseguindo com que os norte-americanos revejam este posicionamento.

Mas a próxima briga será travada no mercado brasileiro mesmo. A Leblon está iniciando uma campanha chamada “salve a caipirinha”. A intenção é fazer com que o nome caipirinha seja usado apenas para bebidas feitas a base de cachaça. Afinal de contas, não tem cabimento que o drinque, brasileiríssimo por excelência, e eleito um dos dez mais importantes coquetéis do mundo por uma influente revista inglesa, seja, em território brasileiro, preparado com outros destilados que não a cachaça.

A campanha toca em um ponto importante da personalidade nacional: o preconceito que os próprios brasileiros ainda têm pela cachaça. É claro que a situação melhorou de alguns anos para cá. Mas, ainda hoje, mesmo muita gente informada trata a bebida com desdém. E termos como “cachaceiro” e “pinguço” são usados para definir pessoas viciadas em álcool. Claro que não é por acaso. E a grande vilã dessa história é a cachaça ruim.

Mas não adianta apenas separar a cachaça feita artesanalmente daquela produzida industrialmente. Não é apenas pelo fato de o produtor ser pequeno e o alambique caseiro que a cachaça será boa. É fato que as marcas industriais apresentam, na imensa maioria das vezes, uma qualidade sofrível. Mas muitas cachaças artesanais são igualmente ruins. É preciso que o setor se organize e os bons produtores possam aprovar medidas de controle de qualidade a fim de separar o joio do trigo. E, assim, poderem levar uma informação melhor do que é comprovadamente bem feito ao consumidor. Esta é, provavelmente, a única forma de a cachaça ser vista com outros olhos não apenas por uma minoria informada, mas pela grande maioria do povo brasileiro. Aí sim evitaremos que a nossa caipirinha, um dos mais conhecidos drinques do mundo, seja preparada com outra bebida que não uma nacionalíssima cachaça fina de alambique.

sexta-feira, 12 de março de 2010

É duro mandar voltar

por Luciana Plaas

Há algum tempo atrás fui almoçar em restaurante, recém inaugurado, com uma amiga. Ela pediu um maçarão estilo Asiático. Todos os ingredientes estavam descritos no cardápio. O gengibre era um deles. Quando o prato chegou, ela provou e pediu para chamar o gerente. Sem titubear disse: “não gostei, tem gengibre e não gostei do gosto final”. O gerente, muito solícito e paciente disse: “mas está escrito no menu que o prato leva gengibre”. A esta altura eu já estava quase embaixo da mesa. Ele ofereceu que o prato fosse feito sem gengibre e ela aceitou, toda satisfeita. Fim de papo. Depois fiquei pensando que o tal gerente realmente foi bastante gentil, até porque não teria a menor obrigação de aceitar o prato de volta. Afinal de contas, o erro foi dela, um típico caso de gosto pessoal dela, talvez uma falta atenção na hora de escolher o prato.

Um outro dia, fui almoçar no Adegão Português, do Rio Design, na Barra. Pedi um dos pratos executivos, o bacalhau a Gomes de Sá (R$ 39,50). Quando chegou, não havia como comer o prato. O bacalhau estava duro e seco. Deixei de lado. Fiquei pensando no que fazer. Comi um pouco do bacalhau ao Brás (R$ 39,50) que o Alexandre havia pedido, para aplacar a fome. Não que estivesse grande coisa, não estava mesmo. Mas, pelo menos, era passável. Quando o garçom chegou para recolher os pratos, me perguntou se eu não havia gostado do prato. Disse exatamente o que achara do peixe: duro e seco. Só de olhar, ele concordou que o bacalhau passara do ponto. Fim de papo novamente. Pedi uma sobremesa para não ficar com mais fome, já que o prato não pude comer. Na hora da conta, ele nos avisou que a amarginha que o Alexandre havia pedido foi cortesia. Veja só, eu que fiquei com fome e ele que ganha agrado!

Embora eu não tenha mandado voltar o bacalhau, se o fizesse, teria toda a razão. O prato estava malfeito. Ao contrário do que aconteceu com minha amiga, que não percebeu que havia um ingrediente no prato que ela não gostava, com meu bacalhau a história era outra. Em suma, paguei por algo que não comi. E, tão ruim quanto o prato, foi perceber que nem o gerente, nem o maître e nem o chef se dignaram a ir na mesa para saber o que teria acontecido.

O fato de o prato estar no cardápio executivo de almoço, não dá direito ao restaurante de servir um bacalhau duro, seco, passado do ponto, com cara de velho. Em suma, bem malfeito. Quando uma pessoa cozinha, em tese, a intenção é que o conviva fique satisfeito com a comida. Se um prato volta intocado, como foi o caso, a insatisfação deveria ser também do chef. Pelo menos, deveria ser assim. Afinal, é a comida que ele preparou que não agradou a quem pagou (um preço nada barato diga-se de passagem).

Tenho um amigo que, quando não gosta do prato, é curto e grosso. Manda o garçom levar a comida da mesa sem dar espaço para discussão. Mas, em suma, a decisão de mandar voltar ou não um prato é sempre pessoal. Por mais que o cliente tenha – ou não – razão.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Tempo de recomeçar

por Alexandre Lalas


Santiago do Chile, 27 de fevereiro, 3h30 da madrugada. Quando a natureza, mais uma vez, mostrou o quanto pode ser devastadora, Derek Mossman Knapp, enólogo e dono da Garage Wine e Co., dormia em casa com a mulher e os filhos. Então, de repente, as janelas tremeram, a terra gemeu e a cidade acordou apavorada. Derek e a mulher pegaram os filhos e, mesmo mal conseguindo ficar de pé, arrastaram-se para fora da casa que parecia que ia ruir. Durante dois minutos, protegeram-se no batente da porta. Quando tudo parou, foi-se embora a eletricidade.

No dia seguinte, foi hora de arrumar a bagunça. Na William Fèvre, vinícola em que faz os seus vinhos no Alto Maipo, o panorama que Derek encontrou era terrível. Tanques avariados, barricas rompidas, falta de ventilação e eletricidade, garrafas quebradas e o piso com uma cor púrpura sangrenta e que tornava o cenário ainda mais assustador.

O Chile é um dos principais países produtores de vinho do mundo. O Brasil é um mercado importante para os chilenos. Ainda mais depois da crise financeira que provocou a queda das vendas para mercados como o inglês e o americano. O vinho mais bebido em nosso país é o chileno. E, embora não possamos dimensionar a tragédia em número de garrafas quebradas, tanques avariados ou litros perdidos, o fato é que a indústria chilena sofreu um forte abalo por conta do terremoto. As primeiras estimativas são de que 12,5% da produção foram afetadas. Grandes vinícolas como Concha y Toro, Santa Rita e Montes sofreram grandes prejuízos. Mas foram os pequenos produtores, que fazem vinhos artesanais, em quantidades mínimas, os que mais sofreram com o desastre.

As duas zonas mais afetadas pelo tremor foram Bío-Bío e Maule. Nestas regiões, o vinho é um importante ator na economia e um dos principais responsáveis pelo crescimento econômico registrado nos últimos anos. Ali, a situação foi ainda pior. Os primeiros relatos, ainda um tanto desencontrados, falam em vítimas entre os trabalhadores da Reserva de Caliboro, vinícola que produz o Erasmo. A Gillmore, outra importante bodega do Maule também teria sofrido sérios danos, inclusive com rachaduras em edificações.

Sven Bruchfeld, da Polkura, disse para a Wine Spectator que perdeu 50% da produção do shiraz que produz. Falou ainda que a maioria dos tanques de aço inox desabou. Por conta disso, ele declarou não ter a menor ideia de como fazer com as uvas da colheita de 2010. “Milhões de litros estão no chão, foi terrível, um enorme dano para a indústria”, afirmou Sven.

Mas apesar do caos e do desespero, o Chile irá reagir. “Iremos reconstruir tudo o que Mãe Natureza quebrou no sábado. Vamos reconstruir telhado por telhado, cidade por cidade, indústria por industria, barril por barril”, garante Derek. E de certa forma, todos podem ajudar. Mesmo que seja comprando uma garrafa de vinho chileno.