sexta-feira, 21 de maio de 2010

Surpreendente e encantador

por Luciana Plaas


Fazia tempo que sentia vontade de escrever sobre o restaurante Zuka, na Rua Dias Ferreira. Mas, nas duas últimas vezes que fui lá, não fui feliz. Escolhi mal. E ficava com a sensação de que os pratos da mesa do lado estavam sempre melhores do que o meu. Não que a comida estivesse ruim, longe disso. Eu é que esperava algo que me surpreendesse, me encantasse. Afinal, o Zuka está sempre lotado. E, para que eu tenha paciência de enfrentar aquela fila, a comida tem que ser muito, mas muito especial mesmo. Só que, no fim das contas, o restaurante vive cheio por motivos que transcendem a (boa) comida da chef Ludmilla Soeiro. Mas a impressão que dá é que, para a maioria dos frequentadores do Zuka, mais importante do que comer bem é ver e ser visto

Mas nesta noite em questão, eu cheguei ao Zuka completamente despretensiosa. Afinal, o objetivo da noite era conhecer os vinhos da vinícola Camigliano, num jantar organizado pela Casa Flora. Era um daqueles jantares em que a pessoa sequer tem escolha: o cardápio harmonizado é fechado previamente entre chef e importadora.
Antes de o jantar chegar, provamos três vinhos: Rosso di Montalcino 2008 (R$58), Brunello di Montalcino 2004 (R$140) e Brunello di Montalcino Gualto Riserva 2003 (R$305). Para acompanhar, o couvert (caldinho de vitela com xerez, biscoito polvilho em forma de palitos e grissinis). Os brunellos ainda estavam novos demais. Quanto ao couvert, era impossível parar de comer os biscoitos de polvilho, ainda mais quando estão crocantes como aqueles estavam...

O primeiro prato foi o creme brulè de abóbora com carne seca. Estava uma delícia. Bem delicado. O doce da abóbora balanceado com o salgado da carne seca e ainda com uma saladinha para acompanhar. E olha eu me encantando com a comida do Zuka...

O prato seguinte, tenho que confessar, esperei desanimada. Era uma costela de cordeiro com crosta de nozes, molho de ossobuco e cubos de polenta. Eu até gosto de cordeiro. O problema é que já tinha comido a carne no almoço. Mas quando chegou, bastou a apresentação do prato para me animar de novo. Estava lindo! E, além de bonito, muito gostoso. Estava suculento, no ponto que pedi. A polenta estava crocante por fora e molinha por dentro. Era hummm pra cá, hummm pra lá. Meus colegas de mesa não se continham. Paulo Nicolay disse que o cordeiro do Zuka é sempre bom. Dionísio Chaves jurou que há muito tempo não comia um cordeiro tão bom. E eu só ouvindo. Continuei quietinha até terminar todo o meu prato. Logo eu que estava cansada de cordeiro. Realmente uma gostosura. E olha eu me surpreendendo com a comida do Zuka...

Com o cordeiro, vieram os outros dois vinhos da noite: Poderuccio 2008 (R$48) e Cabernet Sauvignon Sant'Antimo 2005 (R$75). Este último, para mim, foi o melhor da noite.

Na hora da sobremesa, nós podíamos escolher entre brigadeiro de biscoito Maria e mel ou pudim de milho verde, melado de canela e lascas de coco. Optei pelo brigadeiro. Chegou quentinho dentro de um copo. Devorei tão vorazmente o meu, que o vizinho de frente quis até me vender o dele!

No fim das contas, saí do Zuka muito feliz. E entendi que, por mais que muitas pessoas batam ponto lá para verem ou serem vistas, a comida, que é o que realmente importa em um restaurante, é capaz sim de surpreender e encantar.

Zuka
Rua Dias Ferreira 233, Leblon
21 3205-7154
www.zuka.com.br

Casa Flora
21 2447-8944 / 9213-4384
www.casaflora.com.br

terça-feira, 18 de maio de 2010

Raros e originais

por Alexandre Lalas

Uma sucessão de charmosos vilarejos ancestrais e campos verdes por onde pastam gordas vacas e recortada por belas montanhas. Este é o Jura, isolada região ao leste da França, quase na fronteira com a Suíça, que produz, além de um ótimo queijo de massa dura chamado Comté, vinhos de sabores e caráter únicos. Mas que, infelizmente, ainda não estão devidamente representados no mercado brasileiro. Poucas importadoras investem em vinhos desta região.

A originalidade dos vinhos começa nas cepas. Tudo bem que chardonnay (localmente chamada de melon d’Arbois) e pinot noir batem ponto no Jura. Mas a branca savagnin e as tintas poulsard e trousseau garantem a tipicidade da região. O clima é continental, com outonos longos e suaves, invernos muito frios e com muita neve, e verões quentes e ensolarados, mas, às vezes, marcados por mais chuva do que o desejado. Os solos são uma mistura de argila e calcário.

São quatro as denominações de origem do lugar: Arbois, Château Chalon, Côtes-de-Jura e Étoile. Mas, muito mais importante do que as denominações em si, são os tipos de vinhos produzidos no Jura, em especial dois deles: o vin jaune (ou vinho amarelo) e vin de paille (vinho de palha).

O vin jaune pode ser descrito como uma versão francesa do xerez. É feito com a savagnin, colhida bem madura e em vinhedos de baixo rendimento. Após as fermentações convencional e malolática, o vinho é transferido para barricas antigas de 228 litros, onde permanece por seis anos. Neste período, ocorre um fenômeno raro: um véu de leveduras, semelhante à flor do xerez, se forma na superfície, impedindo a entrada de ar. Durante o envelhecimento, ocorre uma forte evaporação do vinho, o que explica o formato único da garrafa de vin jaune, de 620 ml. É que, de cada litro existente nas barricas, sobram apenas 620 ml após os seis anos de estágio na madeira. O vin jaune tem um gosto quase salgado, que lembra muito o do xerez fino. Nozes, curry e gengibre são aromas comuns. Este tipo de vinho pode ser produzido em todas as regiões do Jura, mas os de maior prestígio vêm de Château Chalon, uma denominação que só produz o vinho amarelo.

O vin de paille é feito com uvas deixadas sobre uma cama de palhas, de outubro a janeiro. Os bagos ficam desidratados e geram um suco rico e concentrado. A fermentação é feita em pequenos barris e podem durar até quatro anos. O resultado é um vinho doce e sedoso, rico de aromas, com notas de marmelada e frutas em calda como figo, pêssego e damasco.

Além dos originais vin jaune e vin de paille, o Jura produz bons espumantes (em geral feitos com a chardonnay, pelo método tradicional), e brancos, rosados e tintos leves e frescos. Outra especialidade do Jura é o Macvin, um vinho de fermentação interrompida, muito parecido com o Pineau de Charentes (outro fortificado francês), mas um pouco mais seco.