sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O vinho do adeus

por Alexandre Lalas

Muitas vezes o ser humano sonha secretamente com o fim dos tempos, com o dia em que tudo se acabará. Tsunamis, terremotos, erupções, pragas, e toda a sorte de catástrofes possíveis e imaginárias habitam o inconsciente coletivo da humanidade. É como se até desejássemos a morte definitiva, o fim irreversível. Seria, talvez, uma resposta à transitoriedade de todos nós, à nossa mortalidade. Ou seja, se tudo acabasse, não perderíamos nada do que estivesse por vir.

O fato é que o poder de decidir quando e como partir é sempre atraente. É como se pudéssemos controlar o incontrolável, alcançar o que não está ao nosso alcance. E, com esse pensamento fatalista na cabeça, a coluna resolveu fazer uma pergunta. Se fosse possível escolher que garrafa de vinho beber antes de morrer, qual seria o rótulo eleito?

Reinaldo Paes Barreto, meu colega de jornal e de taça, escolheria um champanhe. Mais precisamente, um Dom Pérignon. Para ele, a morte significa uma passagem de fase, uma entrada em uma nova etapa, um novo começo. Portanto, motivo para celebração.

Um champanhe também seria a escolha do mestre Célio Alzer, professor da Associação Brasileira de Sommeliers. Célio escolheria o Krug Clos du Mesnil 1990. “É um vinho que me levaria às alturas! E nessa hora, quanto mais perto do céu, melhor”, brincou.

O sommelier Dionísio Chaves, que em breve abrirá um novo restaurante na Barra da Tijuca, o Duo, escolheria um Montrachet 1990 da Domaine de La Romanée-Conti. Para ele, mais do que ser o melhor vinho que já provou na vida, é a história do poder que um vinho branco tem em superar tintos ainda mais badalados.

O mesmo vinho, mas em safra diferente, seria a escolha de outro sommelier, Eder Heck, do Mr. Lam. Eder escolheria o Montrachet 1978, também da DRC. Segundo ele, ‘este vinho seria capaz de salvar um condenado da forca’.

O mestre Danio Braga não se faria de rogado. Escolheria um Château Petrus 1921. “Fico com este vinho por ter sido o melhor que bebi, o que mais me emocionou, em toda a minha vida. Então, partiria para o outro lado com este gosto na boca”, disse Danio.

Da mesma safra é a escolha do sommelier Marcos Lima: o Château D’Yquem 1921. “Beberia este vinho para poder levar na boca e na memória o prazer e a doçura destes grandes momentos”, explicou Marquinhos.

Um vinho de Bordeaux seria a escolha de outro professor da ABS, Ricardo Farias. O Château Haut-Brion 1982 seria o eleito. O motivo, além da qualidade indiscutível da bebida, é saudade. “Há cerca de 10 anos, após uma degustação na ABS Rio, convidei algumas pessoas para continuarmos degustando na minha casa. Entre estas pessoas, estava uma querida amiga: Juarezita Santos, dona do Quadrifoglio. Para finalizar, provamos um Haut Brion 1982, irrepreensível. Mas, mais que o vinho, ficou-me a lembrança da Juarezita, que já se encontrava doente e foi, provavelmente, a sua última degustação. Pouco depois foi internada vindo a falecer”, contou Ricardo.

O chef Paulo Pinho, do Sagrada Familia, escolheria o italiano Brunello de Montalcino Soldera Riserva 1993. “Foi o melhor vinho que já tomei. É sensacional. Bebi uma garrafa lá na Itália e outra aqui no Brasil. Se eu tivesse outra garrafa, seria ela a eleita para este momento final”, falou Paulinho.

O professor Fernando Miranda iria de um vinho argentino feito na Patagônia. "Escolheria o Noemia, que além de ser um dos melhores vinhos das Américas, o casal proprietário, a italiana Noemí Marone Cinzano e o marido, o enólogo dinamarques Hans Vinding Diers são pessoas de primeira qualidade, muito simpáticos também", indicou Fernando.

O sommelier do Terzetto, João Souza, escolheria o português Barca Velha 1965. “Nasci em 1965, e, além de ser o vinho da ‘minha safra’, é um dos melhores que já tive o prazer de provar e que mais me surpreendeu”, explica.

Um vinho português também seria a escolha do enófilo e consultor Paulo Nicolay. Mas, se pudesse, Paulo degustaria um Quinta do Noval Nacional 1963 antes de passar desta para melhor. Por coincidência, seria a mesma escolha do colunista. E a explicação é simples: O Noval Nacional 1963 é um dos melhores vinhos do porto já feitos em todos os tempos. É, para os amantes deste tipo de bebida, uma espécie de Santo Graal.

Esta é a reprodução da última coluna que escrevi para a Revista Programa. Foram 189 colunas, sexta sim, sexta também, desde janeiro de 2007, sempre escritas com prazer. Muitos vinhos comentados, muitos assuntos discutidos e muitos amigos feitos. Fica o muito obrigado a todos os que leram, passaram os olhos, mandaram e-mail, comentaram e fizeram daquele espaço um lugar onde o vinho (e também outras cachaças) foram sempre tratados com muito respeito e seriedade.

Por aqui, a vida continua. As colunas seguem sendo publicadas neste blog, e nos sites Wine Report e EnoEventos. No mais, o importante é celebrar. Saúde.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Viagra no vinho quase mata italiano

A vida andava estressada demais para o empreiteiro cinquentão Frederido di Angelino, italiano da cidade de Frosinome. O acúmulo de problemas no emprego gerava uma falta de tempo para as outras coisas, principalmente para as obrigações conjugais. Por conta disso, a esposa, também na casa dos 50, sentia-se abandonada e rejeitada.

Com a intenção de despertar o apetite sexual do marido, a senhora (cujo nome não foi revelado), decidiu agir. Sem que o marido percebesse, esmagou dois comprimidos de Viagra e misturou em uma taça de vinho tinto. Pouco depois de provar a bebida, Frederico sofreu um violento ataque cardíaco.

Levado ao hospital, Frederico conseguiu escapar da morte. Já recuperado do enfarte, absolveu a mulher. “Não fiquei zangado com ela. Na verdade, esse ataque cardíaco me fez ver o quanto estressado eu estava. Depois disso, dei uma repensada na vida e uma segurada no trabalho. Por conta disso, até minha vida sexual melhorou”, afirmou o italiano.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma revanche histórica

por Alexandre Lalas

De cara já era para ter sido daquelas noites memoráveis. Afinal, estaríamos degustando cinco safras do Mas La Plana, vinho ícone da Torres, uma das mais importantes da Espanha. E, para melhorar ainda mais a coisa, entre os rótulos estaria o lendário 1970, tinto que bateu em prova às cegas promovida pela revista francesa Gault-Millau, em 1979, ícones como Château Latour da mesma safra, Sassicaia e La Mission-Haut Brion. Portanto, a noite prometia.

No Giuseppe Grill, para apresentar os vinhos e comandar a degustação, estava o espanhol Juan Ramon Pujol, um dos enólogos da Torres. Além do Mas La Plana 1970, degustaríamos as safras 1981, 1996, 2005 e 2006. Apresentados o Mas La Plana, servidos e comentados os vinhos, o que já estava ótimo ficou ainda mais sensacional. Marcelo Torres, proprietário do Giuseppe Grill e apaixonado por vinhos, resolveu abrir uma garrafa do Château Latour 1970, segundo colocado na degustação da Gault-Millau em 1979.

Presenciaríamos uma revanche histórica ou o Mas La Plana continuaria em vantagem 31 anos após a prova de Paris?

A ansiedade entre os participantes da prova era latente. Aberta a garrafa do Latour 1970, um inesperado problema: o vinho estava decrépito, já no fim da vida. Enquanto isso, ao lado, o Mas La Plana 1970 ainda esbanjava vitalidade, no alto de seus 40 anos. Seria uma garrafa que não envelheceu bem ou o Latour 70 já havia, de fato, ido para o saco?

Para que não houvesse nenhuma dúvida, Marcelo Torres mandou abrir outra garrafa do Latour 1970. E aí ficou difícil para o Mas La Plana. A segunda garrafa do Latour 1970 estava especial. Elegante ao extremo, austero, aos 40 anos com corpinho de 20. Um clássico. Mas vale registrar que, embora inferior ao Latour, o Mas La Plana 70 era um vinho de emocionar. E que, quase tão bom quanto o 70, estava o Mas La Plana 1981, ainda com uma longa vida pela frente.

Aos felizes comensais, extasiados com a possibilidade de degustar duas obras de arte que desafiam o tempo, ficou a confirmação da máxima de que não existem grandes vinhos, mas sim, grandes garrafas de vinho.