sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um cheeseburger em Paris

por Luciana Plaas

Dica de amigo é coisa para ser levada a sério. Ainda mais vinda do Mu Carvalho, músico consagrado e gastrônomo viajado nas horas vagas. Quando ele soube que eu e Alexandre iríamos para Paris, não hesitou e disse que tínhamos que experimentar "o melhor cheeseburger do mundo". Ouvindo isso, a vontade de provar cresceu ainda mais.

Aproveitei que Alexandre e eu havíamos marcado com um amigo nova-iorquino (portanto, especialista em sanduíches) de nos encontrarmos em Paris, e sugeri que fôssemos até o recomendado restaurante, o Le Castiglione. Quando chegamos, li o cardápio todo. Não encontrei o tal cheeseburger. Cheguei até a sentir certo alívio. Afinal, desde o princípio tinha achado essa história de comer cheeseburger em Paris meio sem pé nem cabeça. Onde já se viu, tanta coisa gostosa para comer e nós pedindo um pão com carne e queijo. Já havia até escolhido as vieiras. Nem deu tempo de pedir. Antes que a garçonete pudesse anotar os pedidos, o Alexandre vira-se e diz:

- Achei, tá aqui! Le Casti Burger.

Não teve jeito, fomos todos no bendito sanduíche. Na mesma hora, me lembrei de um momento muito bom do filme Pulp Fiction: um diálogo entre Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson). Enquanto Jules dirige, Vincent conta sobre sua experiência na Europa, onde as coisas são um pouco diferentes. Pergunta se ele sabe como se chama um sanduíche do McDonald's, chamado quarteirão com queijo, na França. Samuel responde quarteirão com queijo. John responde que não e sim Royale com queijo. E Big Mac é Le Big Mac. Foi assim que me senti quando ouvi Le casti burger.

E, de fato, as coisas são realmente diferentes na Europa. Ou melhor, um cheeseburger não é somente um pão com queijo e carne. É o caso do Le Casti Burger, que fica na memória por muito tempo. Logo quando chegou, achei monstruoso. Parecia muito cheio de molho. Não sabia nem se conseguiria comer o sanduíche com garfo e faca. E além do molho, ainda coloquei mostarda. Ficou divino. Comi tudo. Sem deixar nem um pinguinho de molho. As batatas que acompanham são mais grossas e bastante crocantes. Saí de lá muito satisfeita, feliz. Principalmente por ter deixado de ser, pelo menos naquele momento, preconceituosa sobre o que devemos comer e onde. Mu estava certo. O Le Casti Burger é fabuloso.

Fiquei ainda lembrando daquele cheeseburger por alguns dias. E eu, que cheguei a pensar em nem pedir o tal sanduíche, ainda convenci o Alexandre a bisar o restaurante! Fiquei feliz feito uma criança quando consegue o que quer. E o segundo Le Casti Burger estava tão bom quanto o primeiro. Já estou pensando na próxima vez que eu for a Paris...

Le Castiglione
235 Rue Saint-Honoré
75001 Paris
Tel. 01 42 60 68 22

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O vinho alemão

por Alexandre Lalas

No Brasil, para os não iniciados, durante muito tempo o vinho alemão foi sinônimo de Liebfraumilch. Pois aquele famigerado vinho branco açucarado da garrafa azul, se serviu de porta de entrada para o mundo da bebida a muitas pessoas, também foi um dos responsáveis pela dificuldade que o vinho alemão tem em se posicionar no mercado. Mas não foi a única. Para quem não está acostumado, entender todas as informações que os rótulos dos vinhos alemães trazem é tarefa hercúlea. Mas o fato é que há muita coisa de qualidade disponível nos catálogos das principais importadoras brasileiras.

Os primeiros vinhedos chegaram ao país através dos romanos. E desde então, bons vinhos são feitos por lá. Mas a enxurrada de vinhos ruins despejados nas gôndolas de supermercados mundo afora, principalmente na segunda metade do século passado, quase levou à bancarrota diversos produtores de vinhos de qualidade, além de causar sérios danos à imagem do vinho alemão.

São três os níveis de qualidade oficial: o Tafelwein, ou vinho de mesa, o QbA (Qualitätswein eines bestimmten Anbaugebiete) e o QmP (Qualitätswein mit Prädikat). Os primeiros são os vinhos mais simples, alguns inclusive feitos fora do território alemão e engarrafados por um algum negociante do país. Os QbA são os vinhos produzidos em uma região delimitada. E os QmP, os tops de linha da escala do vinho alemão, são aqueles que não necessitam da adição de açúcar refinado ao mosto antes da fermentação.

Os QmP são subdivididos em seis categorias. Kabinett é o nível mais simples. Spätlese significa vindima tardia. São feitos com uvas colhidas mais maduras. Podem ser secos ou doces. Auslese é o vinho feito com uvas selecionadas que podem ou não ter sido atacadas pela podridão nobre. Beerenauslese são vinhos feitos com uvas super maduras, selecionadas manualmente, e que podem ter sido atacadas pela botritis. Trockenbeerenauslese são feitos com a uva passa e seca, atacadas pela podridão nobre. São os grandes vinhos alemães. Há ainda os Eiswein, vinho de sobremesa, feito com uvas congeladas.

Em um rótulo alemão, o primeiro nome geralmente é o do produtor, que vem precedido por weingut (domínio) ou schloss (château). Quando o vinho é engarrafado pelo produtor na propriedade, aparece a palavra gutsabfüllung. São especificados ainda a safra, a cepa, a classificação de qualidade, a procedência, o tipo de vinho e a graduação alcoólica.

Entre as cepas, destaque absoluto para a riesling. Mas outras uvas brancas como sylvaner, muller-thurgau e elbling, em boas mãos, geram vinhos interessantes. Entre as cepas tintas, a pinot noir, conhecida localmente como spätburgunder é a mais comum. São treze as regiões oficiais produtoras de vinho na Alemanha. As principais são Mosela-Saar-Ruwer, Pfalz, Rheingau, Rheinhessen, Nahe, Francônia, Nahe e Ahr.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Um almoço lendário

por Luciana Plaas


Pelé é o Rei do Futebol. Uma lenda viva. Paul Bocuse é uma espécie de Pelé da culinária. Está para a cozinha, assim como o nosso craque está para os gramados. São mitos, exemplos para o mundo. Por isso, ir ao restaurante de Paul Bocuse é uma experiência única. Seria, mal comparando, algo como jogar uma pelada com Pelé.

Outra coincidência real: em 1958, Paul Bocuse ganhou a primeira estrela Michelin. No mesmo ano, Pelé participou - e ganhou - a primeira das três Copas do Mundo que viria a conquistar. Três, aliás, é o número de estrelas Michelin que tem o francês desde 1965. Outro detalhe curioso: assim como Pelé gosta de comer bem, Bocuse é fanático por futebol!

Bocuse tem uma importância ímpar na gastronomia. Principal expoente da nouvelle cuisine, movimento da culinária francesa que buscou a valorização do ingrediente local, além de levar leveza e frescor à comida. Bocuse também assumiu o papel de embaixador da cozinha francesa e resgatou a dignidade do chef. Antes apenas mais um funcionário do restaurante, o chef ganhou um papel mais importante, tanto no marketing quanto, em muitos casos, na própria administração do lugar. Não é por acaso que muita gente se refere à gastronomia como antes e depois de Bocuse.

Após revolucionar a cozinha francesa, Bocuse percorreu o mundo. Conquistou o Japão. Abriu várias boulangeries-pâtisseries no pais do peixe cru. Até na Disney é possível ver o caminho percorrido por ele. Lá, junto com seus amigos Gaston Lenôtre e Roger Vergé, mantém três restaurantes, além de padarias no pavilhão francês da Disney World, em Orlando, na Flórida. Com tantas empreitadas mundo afora, mal pude acreditar na minha sorte em encontrá-lo em casa, ou seja, no restaurante dele em Lyon, em pleno domingo na hora do almoço.

Fui com Alexandre ao L'Auberge du Pont de Collonges. Ao chegarmos, pedimos duas tacinhas de champanhe como aperitivo. Junto, vieram duas bolinhas de massa choux, aquelas da qual são feitos os profiteroles. Só que com um pouco de queijo. Uma delicadeza.

Daí pra frente, tudo tomou um ritmo próprio. Parecia cronometrado. Comi Foie Gras com Molho Verjus. Este molho é muitas vezes feito com uvas verdes, justamente para dar um gosto ácido, como contraponto ao caramelado do foie. Um sonho. O foie gras derretia na boca. Difícil de descrever. Mas, espero, fácil de imaginar.

Meu primeiro prato foi Vieiras com Beurre Blanc e Batatas 'Soufflées'. O molho é feito com manteiga, como o nome já diz. Adiciona-se também uma redução ácida, normalmente vinagre, mas pode ser feita com vinho também. Com frutos do mar fica perfeito.

Quando pensei que já não poderia ter mais surpresa alguma, adentra o salão ele. O próprio! Com estilo e a maior paciência do mundo. Foi a todas as mesas. Todos quiseram fotos com o mestre. Não fomos diferentes. E nessa hora fica ainda mais evidente que além de todo o talento, Bocuse tem um carisma enorme.

Entre os pratos, para limpar o palato, um Sorbet de Beaujolais. Simples e bom. Cumpriu o papel com louvor

O almoço seguiu em grande estilo: Pombo com Massa Folheada e Couve de Bruxelas. Além da coxa do pombo, numa torradinha veio o patê feito com os miúdos da ave. Bem forte. Apenas provei. A massa folheada que vinha ao lado era bem alta, como deve ser. Leve e muito bem trabalhada.

Depois entramos em um mar de queijos. Só de olhar já cai bem. Tinha de todos os estilos, para todos os gostos. Fui de brie fresco, saint-marcelin e fromage blanc com creme. Estavam ótimos.

Na hora da sobremesa, fui tradicional: Crème Brûlée. Mas, na verdade, deu vontade de provar um monte de outras coisas. E até poderia, está incluso no menu. O problema é que não cabia mais nada!

Depois, com o café, vieram petit four, chocolates, e outras delícias. Ufa! Só mesmo uma boa caminhada na beira do rio Saône para ajudar a digestão e ir relembrando, aos poucos, tudo o que aconteceu. E o lugar é lindo. Não é à toa que por mais longe que Bocuse vá, é perto daquele rio que ele se sente em casa.