quarta-feira, 29 de setembro de 2010

As gotas de Deus

por Alexandre Lalas

O mundo dos mangás japoneses e dos vinhos franceses costumam girar em órbitas diferentes. Ou, pelo menos, assim era até o sucesso retumbante de “As gotas de Deus” (Kami no Shizuku, no original). O fato é que o cartum japonês, que fala sobre vinhos reais e disponíveis no mercado, criou uma impressionante mania de vinho no Japão e na Coreia do Sul e tem catapultado alguns produtores a um surpreendente estrelato.

O mangá virou uma série para a televisão, que se tornou um enorme sucesso. Em ambas as versões de "As gotas de Deus", o filho de um crítico de vinhos recentemente falecido volta-se contra o irmão adotivo para provar que era o herdeiro digno da vasta coleção de vinhos do pai morto.

O filho biológico, no entanto, não tem conhecimento do negócio do vinho. Ao contrário do irmão adotivo, ele não recebeu uma educação sobre safras, variedades de uva, châteaus, e todo o resto. O que ele tem de especial é um nariz capaz de identificar os mais preciosos aromas. Esse recurso faz dele um verdadeiro rival do irmão adotivo na busca dos 12 vinhos especiais que o pai chamava de "apóstolos" e de um 13º que era chamado de "as gotas de Deus".

Sete milhões de pessoas assistiram ao episódio final da série de TV, onde foi revelado que "as gotas de Deus" eram, na verdade, um Château Le Puy 2003.

Imediatamente após a revelação, na França, em um pequeno e sossegado vilarejo de Bordeaux, o telefone do enólogo Pascal Amoreau, do Château Le Puy, que pertence à mesma família há 400 anos, começou a tocar. E encomendas de clientes japoneses chegavam em quantidade jamais vista. “De repente, recebemos 150 pedidos por telefone, fax e e-mail do Japão. Todos querendo o Le Puy 2003. Liguei para meu importador de lá que, eufórico, disse que meu vinho tinha sido eleito o ‘gotas de Deus’. Foi assim que descobri o que estava acontecendo”, disse Amoreau a uma rádio local.

Mas o que começou com celebração, logo virou motivo de indignação para Amoreau. Quando descobriu que o vinho que vendia a 18 euros a garrafa estava custando 1 mil euros em Hong Kong, o enólogo do Château Le Puy resolveu tirar a safra 2003 do mercado. “Tomamos esta atitude a fim de evitar a especulação, porque queríamos que este vinho, que havia sido escolhido como um vinho mítico, ficasse ao alcance de todos e não apenas para uns poucos compradores de rótulos de luxo”, justificou Amoreau.

Os criadores da série são apreciadores reais de vinho e não esperavam que o sucesso do mangá pudesse influenciar desta maneira o mercado francês de vinho. Analistas de mercado no Japão acreditam que as vendas de vinhos de Bordeaux subiram cerca de 20% nos últimos anos por causa da série. “É comum pessoas entrarem nos bares de vinho com o mangá nas mãos e perguntarem se eles têm algum daqueles rótulos mencionados na história”, explica Sam Souibgui, dono de uma livraria em Tóquio.

Recentemente, os criadores da história foram visitar o Château Le Puy. Para celebrarem o sucesso da série e do vinho, os anfitriões abriram uma garrafa da safra 1917 do Le Puy.

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