terça-feira, 13 de abril de 2010

O vinho do czar

por Alexandre Lalas

No começo do século XIX, o conde Mikhail Vorontsov resolveu levar às últimas conseqüências a paixão que nutria pelo bom vinho. Rico até dizer chega, não economizou capital e nem esforços, e importou uvas de toda a Europa Ocidental para plantar na região onde morava: a cidade de Massandra, perto de Ialta, na Crimeia, Ucrânia. Encorajado pelo sucesso da empreitada do conde, o czar Nicolau II resolveu apostar na produção de vinhos para abastecer todas as necessidades que tinha, desde os mais simples, servidos em missa até os mais refinados para o deleite da corte e do próprio monarca.

A construção da vinícola levou três anos. Um labirinto de vinte e um túneis foi escavado dentro de uma montanha. Tudo ali foi minuciosamente planejado. Saídas de ar foram cuidadosamente posicionadas a fim de manter a temperatura entre 12º e 14º, e a água mineral corrente garante a umidade do ar entre 90% e 95%. Tão perfeita era a adega, que nem o devastador terremoto ocorrido na região em 1920 causou nenhum tipo de dano.

A missão de elaborar grandes vinhos foi confiada por Nicolau II ao príncipe Lev Sergervich Golitzin. Se havia melhor escolha, difícil saber. Mas o fato é que foi Golitzin quem definiu os parâmetros que fizeram do massandra um vinho de qualidade reconhecida mundialmente até os dias de hoje. O príncipe estudou quais castas melhor adaptavam-se à região, revelou-se um mestre na arte de preparar o melhor corte para cada estilo de vinho e criou verdadeiras obras de arte de diferentes estilos que passeiam do xerez ao madeira, do porto ao marsala e do tokay ao muscat.

Algumas das criações de Golitzin figuram entre os maiores vinhos do mundo. Infelizmente, as anotações do príncipe não eram tão consistentes quanto os vinhos preparados por ele. E, até hoje, ninguém sabe exatamente qual era o corte original de clássicos como o Sétimo Céu, um dos melhores vinhos já produzidos. Outra particularidade do príncipe era guardar alguns exemplares de cada colheita de massandra junto com outros rótulos europeus. A intenção era pesquisar o processo de envelhecimento da bebida. Assim foi criada uma das mais valiosas coleções de vinho já feitas.

Se terremotos não foram suficientemente fortes para abalar as estruturas da adega, outras ameaças quase puseram tudo a perder. Quando, em 1920, as tropas de Stálin chegaram aos portões de Massandra, o futuro da vinícola balançou. Mas o líder soviético ficou tão impressionado com a qualidade do que provou, que decidiu preservar tanto a vinícola quanto a coleção de Golitzin. Na verdade, Stálin até incrementou a coleção, ao adicionar ao acervo as garrafas capturadas nos palácios do czar. E nomeou Alexander Alexandovich como diretor da vinícola para que mantivesse a qualidade do que ali era produzido.

Outra ameaça importante veio de fora. Quando os nazistas invadiram a Crimeia, as garrafas da coleção foram cuidadosamente embaladas, transportadas e escondidas em três locais secretos, nunca encontrados pelos alemães e a salvo da pilhagem dos invasores. O único dano foi relativo à colheita de 1941, ano da invasão. O diretor da vinícola, quando da rendição iminente aos alemães, mandou que toda a produção de massandra do ano fosse jogada no mar. Foi, provavelmente, a única vez na história em que o Mar Negro ficou vermelho.

Até hoje, garrafas de massandra do século XIX, com o selo pessoal do czar Nicolau II são encontradas em leilões mundo afora. Os preços são estratosféricos. Mas safras recentes de cortes de Massandra são bem mais acessíveis. E deveras prazerosas. Escrevo esta coluna da França. E, feliz da vida, consegui comprar no país do vinho, uma garrafa do Sétimo Céu de Golitzin, safra 2006. Um corte de kokour blanc, pink muscat e muscat blanc. Custou-me 40 euros. Vale cada centavo. Infelizmente, não está disponível no Brasil. Pelo menos até que algum importador tenha a visão e a ousadia de apostar em um vinho ucraniano, repleto de história e qualidade.

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