segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vinhos fantásticos, língua afiada

por Alexandre Lalas

Roman Bratasiuk era um bioquímico australiano que amava vinhos. Mas amava tanto, que um belo dia, apesar de não ter nenhuma formação em enologia nem agronomia, resolveu fazê-los. Então, bateu à porta de um viticultor do Mc Laren Valley, cujas uvas Roman apreciava, e, depois de um aperto de mão, alugou as vinhas do sujeito e ali nascera a Clarendon Hills. No dia 24 de fevereiro de 1990, um sábado, Roman chegou às vinhas às seis da manhã. E, para espanto do tal viticultor, começou, sozinho, a colher as uvas. Às nove da noite, com metade do vinhedo colhido, Roman parou o trabalho. Mas voltou bem cedo, no dia seguinte, para terminar tudo. O australiano repetiu o processo com a merlot e com a cabernet-sauvignon. Depois, usou garrafas vazias para amassar as uvas em uma cesta. Dali, o mosto foi transferido para três pequenos tanques de aço, comprados por 100 dólares cada, onde foi feita a fermentação, com leveduras indígenas, e sem nenhum controle de temperatura. Depois o vinho passou por um estágio em barricas de madeira de terceira mão. Em onze dias, tudo estava terminado. Os vinhos foram todos vendidos.


Vinte e uma colheitas depois, a Clarendon Hills coleciona prêmios e pontuações altas em tudo o quanto é canto. Robert Parker adora os vinhos. Jancis Robinson também. Mas Roman não caiu na tentação de aumentar demais a produção para atender a um mercado faminto por seus vinhos. E, se hoje em dia não precisa mais colher tudo sozinho como fizera em 1990, mantém os mesmos princípios de quando começou: vinhos de um único vinhedo, de uma única variedade, de vinhas muito velhas, com baixa produção, colhidos a mão e vinificados com o mínimo de intervenção possível. Por não gostar dos vinhos feitos em Mc Laren Valley, lugar onde estão os vinhedos dele, se recusa a colocar o nome da região nos rótulos. “Não tenho nada a ver com os outros vinhos dali”, brada Roman. E os vinhos da Clarendon Hills são, de fato, muito diferentes do que a região e mesmo a Austrália, costuma produzir.


No Brasil para apresentar os vinhos que, através da importadora Viníssimo, chegam, pela primeira vez, ao mercado sul-americano, Roman conversou com exclusividade com o blogueiro. Entre um gole e outro de cerveja, Roman destilou, sempre com muito bom humor, uma razoável dose de veneno contra outros produtores e contra a crítica especializada australiana.


Alexandre Lalas: O Sr começou a fazer vinhos por amá-los muito. Quais eram os vinhos pelos quais o Sr era apaixonado?
Roman Bratasiuk: Eu bebia muito o Grange, da Penfolds e outros bons vinhos australianos da década de 50 e 60, principalmente. Até porque os atuais caíram muito de qualidade depois que grandes conglomerados compraram as vinícolas familiares. Gosto e bebo muito também os vinhos de Bordeaux, da Borgonha e do vale do Rhône, especialmente os do norte.


AL: E hoje, quais os vinhos que o Sr bebe?
RB: Além dos meus, que gosto muito, continuo bebendo bons vinhos da Borgonha, de Bordeaux e do norte do Rhône. Os australianos eu parei. A vida é muito curta para vinhos ruins.


AL: A exceção dos seus, todos os outros vinhos australianos são ruins?
RB: Não digo que são todos ruins, mas a maioria. E os que não são ruins, não são melhores do que os franceses que gosto de beber. Mas não bebo apenas franceses não. Sou apaixonado por vinho do Porto, por exemplo. E, quando estive no Douro, vistando Dirk Niepoort, um produtor de lá, provei muita coisa realmente muito boa.


AL: O Sr já provou algum vinho brasileiro?
RB: Ainda não. Mas esta cerveja que estamos tomando é muito boa.


AL: O que o Sr espera do mercado brasileiro?
RB: Não sei muito o que esperar. É a primeira vez que meus vinhos estão aqui. Sei que é um mercado com potencial grande, que está em expansão. Sei também que bebem muitos vinhos do Chile e da Argentina. Daqui a um tempo saberei melhor, mas espero que meus vinhos tenham boa venda no Brasil. Sei que foi um namoro longo, mas estou feliz que meus vinhos estão aqui.


AL: Por que o Sr não faz corte de uvas ou mesmo um blend utilizando o que de melhor cada vinhedo pode produzir?
RB: É uma questão puramente filosófica. Eu acredito nos meus vinhos do jeito que eles são. Quero uma expressão pura da variedade da uva com o tipo de terroir de onde ela vem. Não me interessa perder este tipo de característica única de cada vinhedo. Em um lugar tenho um vinho mais frutado, no outro com mais especiarias e pimenta, no outro mais tanino. Gosto que cada vinho tenha uma expressão própria.


AL: Houve algum ano em que o Sr não ficou satisfeito com a colheita a ponto de não lançar o vinho?
RB: Houve sim, em 2000. Tivemos um ano atípico, um verão muito frio. Mesmo assim colhi as uvas e fiz o vinho, esperando que ele melhorasse na garrafa. O tempo foi passando e nada de o vinho melhorar. Eu não poderia lançar ao mercado aquele vinho. Tenho uma reputação a zelar. Então, quebramos as garrafas, uma a uma, para não corrermos o risco de algum engraçadinho encontrar nossas garrafas e vender a um mercado qualquer.


AL: Um prejuízo danado então...
RB: Mas é assim mesmo. Faço vinhos há 21 anos. E a cada ano, a bebida fica diferente. Quando acho que já sei tudo, acontece alguma coisa que me faz ver que ainda tenho muito o que aprender. Tudo influencia. O clima, a idade das vinhas, a quantidade de chuvas, de ventos. Nenhum ano é igual ao outro.


AL: Por que o Sr não produz mais vinhos brancos?
RB: Eu fazia, até o ano 2000, um chardonnay, fermentado em barrica, a moda da Borgonha, com grande capacidade de envelhecimento. Eram ótimos, mas não eram para o consumo rápido, como os consumidores estavam acostumados e o mercado não entendeu estes vinhos. Até o Robert Parker, que costuma gostar do que eu faço, caiu de pau em cima do vinho. Então, resolvi parar de fazê-lo. Mas, o engraçado é que, quando o Parker veio visitar a minha vinícola, abri pra ele uma garrafa de um destes chardonnays, já mais evoluídos. Quando o Parker provou, virou pra mim e disse ‘acho que eu estava errado’. Eu falei pra ele que, depois de ele me ferrar o mercado com notas péssimas praquele vinho, agora era tarde.


AL: E o Sr não pensa em voltar a produzir o chardonnay novamente?
RB: Nem pensar. Eu teria que começar a colheita quatro semanas antes, daria muito trabalho. Agora, quando quero um bom branco, fico na Borgonha e bebo uma garrafa de um corton-charlemagne ou de um montrachet mesmo.


AL: O Sr disse que críticas ruim de Robert Parker arruinaram o seu chardonnay. Como é a sua relação com os críticos de vinhos da Austrália?
RB: Acho que Deus faria um favor à Humanidade se todos os críticos de vinho australianos amanhecessem mortos. Eles não sabem nada.

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