sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O desastre perfeito

por Alexandre Lalas


Quando a pessoa abre uma garrafa de um vinho em um restaurante chique e propõe um brinde, muitas vezes sequer imagina o caminho que a bebida fez para chegar até ali. Por mais cultura, história e charme que carregue na aura, o vinho é, no final das contas, um produto agrícola. E, como tal, está sujeito às intempéries e aos caprichos da Mãe Natureza.

Pois neste ano, em Sonoma County, nos Estados Unidos, vinhateiros e enólogos foram lembrados de quão pesada pode ser a mão da natureza. Não foi apenas um ano complicado, difícil. Foi um ano perdido. Para muitos, a pior safra da história recente da região.

Com a colheita quase no fim, sobrou pouco para contar a história. Elias Torres, da Halling Vineyard, no negócio desde 1974, não se lembra de um ano tão ruim quanto este 2010. Em um ano normal, a pequena propriedade de três acres que possui, é capaz de produzir 10 toneladas de zinfandel de alta qualidade, o que rende a Elias cerca de US$ 25 mil. Este ano, a coisa foi diferente.

“O sol fritou todas as uvas. Não sobrou uma para contar a história. Nunca vi uma safra tão desastrosa”, lamentou.

Elias não é o único a lamentar. A hora é de fazer contas. Muitos produtores ainda estão avaliando os prejuízos financeiros e os danos às vinhas. O ano começou complicado quando uma praga assolou a área no final da primavera e piorou de vez com a onda de calor que fez em agosto e arruinou campos inteiros.


E como desgraça pouca é bobagem, um temporal no último final de semana deu cores definitivas a um quadro quase catastrófico. A chuva gerou mofo em algumas vinhas, reduzindo ainda mais uma produção já reduzida a quase nada. Catadores eram obrigados a percorrem os vinhedos lentamente, examinando cacho por cacho para determinar quais uvas eram ainda saudáveis o suficiente para serem esmagadas.

“Tivemos que fazer uma baita seleção de uvas. Deixamos muita coisa no campo”, informou Steve Thomas, diretor de operações da Kunde Estate.

Chris Maloney, que dirige uma empresa que faz seguros da colheitas estima que os clientes tiveram perdas que podem ultrapassar os US$ 10 milhões. “Pode ser um recorde. Este foi um ano horroroso”, fez coro.

O total exato de quanto os produtores irão pedir às seguradoras virá a público somente em alguns meses. Pelo menos 64% dos vinhateiros da região estão cobertos por algum tipo de seguro. Dependendo da apólice, os produtores conseguirão reembolso de até 75% do que perderam na temporada.

Mas para alguns analistas, o clima não foi o único vilão da má safra. A recessão norte-americana também teria contribuído para o misere dos produtores. Os preços estavam tão baixos que muitos deles teriam preferido deixar as uvas apodrecerem nas vinhas a colher e vender pelo que os compradores estavam pagando. Estas uvas abandonadas enquanto ainda estavam saudáveis, em um ano normal, poderiam render um bom dinheiro aos produtores.

No entanto, há quem consiga manter um pouco de otimismo mesmo com toda a situação em volta. Diane Wilson, enóloga da Wilson Winery, já está com a colheita praticamente terminada. Faltam colher apenas 2% dos bagos. Segundo ela, apesar da pequena produção, o que sobrou foram uvas de excelente qualidade.

A temporada começou com as nuvens negras da recessão econômica no horizonte. Em abril, uma geada danificou diversas vinhas. Em seguida, um início de verão nebuloso e frio atrasou a maturação das uvas e reduziu o nível de açúcar nos bagos. Regiões mais frias, como Bennett Valley, Russian River e Carneros foram especialmente afetadas pela nebulosidade, que permitiu o aparecimento de fungos e insetos que se tornaram uma praga por todo o condado.

Quando o calor finalmente chegou, veio avassalador e literalmente cozinhou vinhedos inteiros.

“Foi um desastre perfeito”, resumiu Michael Collins, dono e enólogo da Limerick Lane, e cuja produção foi inteiramente perdida, incluindo a parcela centenária de zinfandel. "É a primeira vez que não colherei nada", disse ele. "Nunca vi nada como este ano. Não posso nem acreditar", falou.

Collins disse que até poderia ter sido capaz de colher 20% da produção, mas decidiu que a qualidade das uvas não era boa o suficiente.

"Eu tenho que fazer um vinho de qualidade muito alta, ou não fazer”, disse ele, que decidiu simplesmente deixar tudo apodrecer.

"Na agricultura, de vez em quando, você recebe um taco de beisebol na cara", disse ele. "Este ano, foi assim".

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