segunda-feira, 29 de agosto de 2011

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“Todos os anos, milhares de consumidores ao redor do mundo saboreiam as frutas e os renomados vinhos que vêm dos vinhedos da África do Sul. No entanto, os trabalhadores rurais que produzem esses bens para consumo interno e exportação internacional estão entre as pessoas mais vulneráveis da sociedade sul-africana: trabalham longas horas em condições de temperaturas extremas, muitas vezes sem acesso a banheiros ou água, expostos a pesticidas tóxicos que são espalhados nas plantações. Para realizar este trabalho fisicamente extenuante, ganham o equivalente aos piores salários pagos na África do Sul e, muitas vezes, têm negados benefícios que lhes são garantidos por lei. Muitos trabalhadores rurais enfrentam obstáculos para organização sindical, que praticamente inexiste no setor agrário de Western Cape. Frequentemente, trabalhadores rurais têm o direto de posse da terra onde nasceram questionados e são obrigados a abandonarem a terra onde vivem”. Assim começa o relatório intitulado Ripe With Abuse, elaborado pelo Human Rights Watch (HRW), órgão que fiscaliza o cumprimento dos diretos humanos no mundo, e que expôs as mazelas da indústria vitivinícola sul-africana.

“Das nove províncias sul-africanas, o maior número de trabalhadores rurais (121 mil) vivem na rica e fértil Western Cape. Apesar do importante papel que exercem no sucesso das valiosas indústrias do vinho, do turismo e da fruticultura, estes trabalhadores são muito pouco beneficiados com os lucros destas atividades, em grande parte por conta da exploração a que são submetidos, com abuso dos direitos humanos e falta de proteção aos seus direitos legais. Estas práticas abusivas que ocorrem em diferentes graus em uma grande variedade de fazendas, são perpetrados por fazendeiros ou empresários agrícolas que são objeto de regulamentação por parte do governo Sul-Africano. No entanto, o governo falhou em proteger os direitos dos trabalhadores rurais e moradores destas fazendas”, prossegue o texto.

A conclusão final do relatório é de que o governo sul-africano falhou em promover saúde, habitação em garantir os direitos constitucionais a estes trabalhadores. Para resolver a situação, a indicação é de uma melhor coordenação dentro dos setores do governo, além de um uso mais inteligente e transparente dos recursos disponíveis. Por fim, o relatório faz um apelo aos donos de fazenda para que garantam que os direitos básicos dos trabalhadores sejam respeitados. O texto chama a atenção para o fato de que, apesar de várias iniciativas éticas e códigos de conduta que têm sido desenvolvidos com o objetivo de melhorar esta situação, “muitos fazendeiros continuam a negar aos seus trabalhadores os direitos universais fundamentais de saúde, moradia e condições dignas de trabalho”. O relatório encerra com um apelo para que os “cidadãos sul-africanos, assim como consumidores internacionais das frutas e vinhos do país, devem continuar a pressionar tanto o governo quando os fazendeiros para remediar esta negação dos padrões básicos de vida a que os trabalhadores rurais e moradores das fazendas têm direito”.

O relatório tem 96 páginas e foi baseado em entrevistas realizadas entre 2010 e 2011 com mais de 260 pessoas incluindo trabalhadores rurais e moradores de grandes fazendas. O resultado, nada elogioso para a indústria de vinho local, foi duramente questionado pela CEO da Wines of South Africa (WOSA), Su Birch, que alertou para o dano que o texto pode causar à imagem do vinho sul-africano. “Este relatório foi baseado em evidências aleatórias”, declarou. “Nossa decepção com o viés deste relatório, no entanto, não é de modo algum uma indicação do nosso apoio a qualquer tipo de práticas desumanas. Apenas expressa nossa preocupação de que o consumidor de vinho no mundo possa fazer uma imagem distorcida da indústria vitivinícola sul-africana”, completou Birch. “Ironicamente, este relatório pode, no final das contas, comprometer o trabalho do próprio povo que pretende defender”, advertiu.

Birch também diz que o relatório “falhou ao não reconhecer organizações como Wine Industry Ethical Trade Association (WIETA) e Fairtrade que visam melhorar as condições de trabalho no país”. E assegurou que a África do Sul é o país no mundo com o maior número de produtores de vinho credenciados no Fairtrade. Outra reclamação de Birch é de que o relatório não faz nenhuma menção ao Integrated Production of Wine (IPW), organização sul-africana que defende a produção eco-sustentável e estabeleceu diretrizes claras sobre a utilização de pesticidas e a proteção dos trabalhadores nas vinhas.

As alegações de Birch são rebatidas enfaticamente por Daniel Bekele, diretor do HRW. “A riqueza e o bem-estar gerados pelos bens que estes trabalhadores produzem não devem fincar raízes na miséria humana”, declarou. “o governo e as indústrias e os próprios agricultores, precisam fazer muito mais para proteger as pessoas que vivem e trabalham em fazendas”, acrescentou Bekele. Sobre o risco de que os trabalhadores percam o emprego caso haja uma mobilização internacional contra os vinhos sul-africanos, o diretor da HRW foi claro: “não queremos que ninguém boicote os produtos sul-africanos, isto seria um desastre para os próprios trabalhadores rurais. O que fazemos é pedir aos compradores que pressionem aos seus fornecedores para que sejam dadas garantias de que o produto em questão venha de uma fazenda que proporciona condições decentes de trabalho”, disse Bekele.

Para ler o relatório completo, clique em
http://www.hrw.org/reports/2011/08/23/ripe-abuse-0



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